ONG transforma jovens de comunidades da Zona Sul de SP em campeões de judô

Por Vivian Reis, G1 SP, São Paulo

Jovens atendidos por uma organização não-governamental (ONG) criada por moradores do bairro da Vila Andrade para reduzir a desigualdade social na região, se preparam para competir no campeonato brasileiro de judô, conforme explicaram ao G1 nesta sexta-feira (27). O distrito localizado na Zona Sul apresenta a maior concentração de domicílios em favelas da capital paulista, segundo o estudo Mapa da Desigualdade 2017 divulgado nesta semana pela Rede Nossa São Paulo.

Do total de domicílios da Vila Andrade, 50,45% ficam em favelas. As comunidades contrastam com o luxo de mansões do Panamby. Ainda naquela região, as crianças com até três anos têm que esperar 441 dias para conseguir uma vaga em uma creche, sendo o bairro com o maior tempo de espera por vaga da cidade.

Mas um grupo de moradores dos condomínios de alto padrão começou a conceber ainda em 1982 o que se tornou a ONG Associação Morumbi de Integração Social (AMIS). A entidade cresceu e hoje oferece 13 projetos de educação, esporte, cultura, lazer, assistência social, cursos profissionalizantes e atendimento médico a duas mil pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos.

Quatro dos adolescentes atendidos são campeões de judô que se preparam para o campeonato brasileiro do esporte, em novembro. Além disso, uma turma de 200 meninas ensaia para um espetáculo de balé e 70 crianças recebem as primeiras aulas de violino.

A ONG Amis não recebe ajuda do poder público e se mantém devido ao esforço de voluntários, educadores e de empresas que acreditam nas propostas e oferecem patrocínio e apoio.

Foto: Celso Tavares/G1
Foto: Celso Tavares/G1

A Amis acontece graças ao esforço de uma equipe de 30 pessoas, entre contratados e voluntários, que coordenam os projetos e trabalham como educadores.

A supervisão de todo este trabalho é responsabilidade da gestora Ester Leão, que se graduou em Serviço Social há 35 anos, mas dedicou sua vida profissional ao mundo corporativo. Após a aposentadoria, em 2007, ela se tornou voluntária na então associação beneficente e, em seguida, foi convidada a dar toda a formatação necessária para tornar a entidade uma organização do terceiro setor.

“Eu venho de uma família muito rica… Em amor. Uma família muito humilde, mas que me deu uma base familiar que transformou a minha vida. Me emociono quando falo isso. Quando vejo minha casa hoje e minha filha, que fala inglês e alemão fluentemente, sei que foi porque meus pais me deram uma base”, conta Ester.

“Isso que eu digo sai muito forte do meu coração. Nós acreditamos em superação e transformação de vidas e eu procuro trabalhar todo o planejamento pedagógico nesse sentido para a criança, os valores de cidadania, o direito ao carinho, o direito de ler e escrever”, continua.

Por essa razão, a Amis dedica alguns projetos aos adultos também, como o Vida nas Letras, de alfabetização, e outros para geração de renda, com cursos para formação de cabeleireiro e manicure, além de atendimento psicológico.

“Tenho um casal de pais que enfrenta problemas de alcoolismo e se tornaram violentos. Explicamos que eles precisavam mudar e oferecemos psicólogos. Não quiseram. Chegou um momento em que perguntamos — vocês querem que o filho de vocês vá para a criminalidade? Querem que ele seja um bandido? Acabaram aceitando o apoio e o menino está aqui”, contou.

Entre os projetos que atendem diretamente as crianças está o Defesa do Bem, dedicado ao judô, que atende 150 crianças e jovens de 6 a 16 anos. “Esse esporte ensina que para lutar é preciso conhecer as regras. Ele ensina sobre se cuidar, sobre respeito ao próximo, sobre disciplina e responsabilidade. A criança só muda de faixa se tiver boas notas”, explica Ester Leão, gestora da Amis.

O professor, o sensei Rodnei Jorge, teve a iniciativa de levar as turmas para participar de competições, e foi a partir da meta de se preparar para os eventos que despontaram os talentos. Quatro alunos do judô levaram medalhas de ouro em suas categorias no campeonato paulista e conseguiram vagas para o campeonato brasileiro, que será disputado no Recife nos dias 25 e 26 de novembro.

Daniele Gomes de Almeida, de 14 anos, já tem dúzias de medalhas e agora busca o bicampeonato brasileiro na categoria meio pesado. “Sempre gostei de esportes e minha mãe me deu como presente de aniversário de oito anos a matrícula no projeto. Era uma quinta-feira”, conta Dani. “Nunca pensei que ganharia um campeonato brasileiro. Passei a acreditar em mim. A Amis que dá forças para que a gente continue na batalha”, completa.

Já na categoria meio médio, São Paulo será representada na competição por Ester Carvalho da Costa, de 13 anos. “Quando começamos a participar dos campeonatos o judô deixou de ser brincadeira, fazendo com que a gente se empenhasse. Hoje, minha meta é ganhar meu primeiro ouro no brasileiro e, no futuro, ser professora de judô”, adianta.

Luiz Henrique Duarte Toledo, de 14 anos, e Eduardo Oliveira de Sá, de 11 anos, também vão ao campeonato brasileiro e, apesar de terem começado depois das meninas, também querem suas medalhas de ouro.

Foto: Celso Tavares/G1
Foto: Celso Tavares/G1

“O sensei diz: ‘Não quero alguém que seja bom dentro do tatame e uma porcaria fora’, então por causa do judô, meu objetivo é me superar sempre, treinar mesmo quando ganho para elevar meu limite sempre”, ensina Luiz. “A Amis mudou a vida de muitas crianças que ficavam de bobeira nas ruas. Ela acolhe e incentiva. Foi muito importante pra mim ganhar o ouro no paulista”, disse Eduardo.

Há dez anos, a ONG Amis oferece aulas de balé clássico para 230 crianças e adolescentes de 4 a 16 anos. “O balé ensina disciplina, higiene e amor próprio, postura, serenidade. As aulas são feitas com música clássica, que acalma o coração. São valores que transformam a cabeça de uma menina”, explica Ester Leão, gestora da Amis.

A professora de balé, formada pela Royal Academy of Dance de Londres, Ilka Nagamine, começou ministrando aulas na ONG e hoje é a coordenadora geral dos projetos. Foi ela quem introduziu o mais puro balé às crianças, que hoje, sonham em ensinar outras meninas também.

“O balé foi minha primeira paixão, desde o primeiro passo que aprendi. No palco, você dança para a plateia e a faz pensar, como deve ser toda boa arte, mas também, a dança liberta a alma da bailarina. E provamos para nós mesmas que somos capazes porque treinamos e realizamos”, conta Jamily Silva Santos, de 18 anos, que ganhou uma bolsa de estudos na renomada Escola Cia das Artes e sonha em se tornar professora de balé.

Foto: Celso Tavares/G1
Foto: Celso Tavares/G1

O sentimento é compartilhado por Ana Beatriz da Silva Nascimento, de 18 anos, que entrou no projeto aos sete anos, quer estudar pedagogia e até hoje se emociona com a modalidade da dança. “Amo a suavidade das bailarinas. Parece que elas flutuam. E a disciplina e a segurança que a dança trouxe me ajudou até mesmo na escola, apresentando seminários”, afirma.

O espetáculo de dança Vida em Movimento será apresentado nos dias 1º e 2 de dezembro, no auditório da Igreja Batista do Morumbi. A entrada é gratuita e será uma oportunidade para os moradores da Comunidade da Vila Andrade assistirem a uma apresentação de balé.

A mesma serenidade e amor foi presenciada pelo G1 na aula de música. “O primeiro passo para conseguirmos um som bonito é a postura, não é pessoal?”, orientava o professor Eliézer Motta. “Trabalhamos em conjunto aqui e mostro para as crianças que é importantíssimo que cada uma faça bem a sua parte para que o conjunto fique bom, dentro e fora daqui”, explica.

A gestora Ester Leão conta que há pouco tempo encontrou por acaso 20 violinos no prédio da ONG, mandou reformá-los e deu início ao projeto Dream Orquestra. “Os instrumentos estavam guardados aqui, esquecidos por outro projeto que funcionava neste edifício. Pedi autorização e eles cederam a nós. Hoje 76 crianças estudam violino na Amis. A música nos remete para dentro da alma. Além da técnica e disciplina, ensina a criança a trabalhar com a serenidade e a introspecção”, afirma.

As crianças foram questionadas pela reportagem se sentiram diferença no dia a dia após o início das aulas de violino, há dois meses. O pequeno Marcos Alves da Silva, de nove anos, ergueu o braço. “Estou mais organizado, comecei a pensar mais e minha postura mudou. Quando você pega o instrumento, sente uma coisa diferente. Um amor”, relatou.

Foto: Celso Tavares/G1
Foto: Celso Tavares/G1